Espaço para publicações independentes, no centro do Rio
Um espaço para publicações independentes, no Centro do Rio. Quando a Carol Incerti lançou a Banca Carrocinha, meu sentimento foi de saudade e empolgação. Saudades porque publicações independentes são uma paixão que tenho, fizeram parte do meu início de carreira e da minha história. E empolgação pelo mesmo motivo e por ser uma carioca que tem visto as iniciativas e movimentos cariocas culturais minguarem de uns tempos pra cá.
Designer, ilustradora e estudante de curadoria de arte, ela toca o projeto com Lucas Fontes, desde 2018. A primeira ideia deles era ter uma banca na rua, para o que o material fosse acessado pelo maior público possível. Porém, a burocracia envolvida se mostrou um empecilho enorme. Foi nessa etapa que apareceu um edital de concessão de espaço para o Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica (CMAHO), onde eles estão hoje.
A gente conversou com a Carol sobre seu projeto e sobre o mercado independente editorial.
REFLETE: Como surgiu a Banca Carrocinha?
CAROL INCERTI: Sempre nos interessamos por design gráfico, literatura e publicações independentes, e há muito falávamos de publicar algumas zines juntos. Mas a vontade maior era de construir um espaço dedicado a esses projetos no Rio de Janeiro: uma banca de rua, que pudesse funcionar como um ponto de venda e principalmente, como ponto de encontro dessas vontades que tínhamos. A escolha por produções independentes nos pareceu natural desde o início, por representarem autorxs que tem dificuldade de acesso ao grande circuito editorial.
REFLETE: Como funciona a dinâmica?
CAROL INCERTI: Dentro do recorte de um espaço público de arte, sobretudo localizado no centro da cidade, a Banca Carrocinha ganhou camadas mais profundas de atuação. Apesar da ideia inicial ter sido construir um espaço para discursos contra-hegemônicos através das publicações independentes, fomos compreendendo, com o tempo, que outras formas de atuação também se faziam necessárias — e até hoje estamos descobrindo essas maneiras. Desde a inauguração, em novembro de 2018, promovemos e participamos de diversas atividades, como rodas de conversa, oficinas, imersões, feiras e lançamentos — sempre em parceria com a rede que fomos conhecendo.
Atualmente, também ocupamos uma sala no CMAHO como uma residência editorial. Em breve, começaremos a atuar também como uma pequena editora — que já era um desejo nosso lá no início, e agora estamos conseguindo materializar.
REFLETE: Como é feita a curadoria? Quantos títulos já foram publicados?
CAROL INCERTI: Experimentamos dois principais métodos de seleção de material: uma chamada aberta para novos trabalhos e o contato direto com artistas, designers, coletivos e editoras independentes que admiramos.
No início, a curadoria se baseava mais em “ser independente” e, a partir disso, buscamos garantir um acervo que representasse autorxs, narrativas, temas e suportes diversos. Mas, fomos percebendo que a definição de “ser independente” poderia variar muito e, dessa forma, acabava abrindo espaços para que opressões do circuito tradicional também se repetissem no meio independente. Isto é, passamos a receber uma procura grande de autorxs que já representavam o discurso hegemônico, apenas com uma produção menor ou artesanal, por exemplo.
Na prática, vimos que as narrativas que são sistematicamente excluídas do campo editorial tradicional também encontram dificuldades para adentrar o circuito independente, e tomamos como nossa responsabilidade correr atrás dessas pessoas e trazê-las para mais perto. Nesse processo, compreendemos que as produções independentes que nos interessam são aquelas que, por algum recorte, têm urgência em circular. Hoje, somos muito mais criteriosos com o que entra na Banca Carrocinha e tudo o que expomos lá representa de alguma forma aquilo que acreditamos.
Até aqui, mais de 200 títulos de artistas, coletivos e editoras de todo o Brasil já passaram pela nossa carrocinha.
REFLETE: Você fala também sobre instrumentalizar as pessoas para promover encontros em rede. Esse movimento tem rolado?
CAROL INCERTI: Todas as nossas atividades foram construídas com a nossa rede e de maneira gratuita para os participantes. Além das rodas de conversa, lançamentos, feiras e oficinas que organizamos e/ou participamos, vale destacar a imersão “Publicação Independente como Plataforma de Urgência”, que realizamos em parceria com a Revista Piseagrama e a feira tijuana>rio. Durante seis dias, reunimos um grupo de publicadores, pesquisadores e entusiastas para debater o papel das publicações independentes dentro do cenário sufocante que temos vivido nos últimos anos. Dentro do grupo, debates como “o que é ser independente?”, “quem de fato tem condições de publicar?”, “por que organizar mais uma feira?” foram se repetindo — e, ainda, ecoando com questões que já nos apareciam no dia a dia da Banca Carrocinha.
Assim, criamos coletivamente guias que pensam ativamente como — e, principalmente, porque — publicar, circular, organizar uma feira e promover encontros. Esses guias foram disponibilizados posteriormente através de uma zine e numa pasta de acesso público dentro do Google Drive, que também reúne uma biblioteca virtual e um banco de dados vivo de profissionais dispostos a trabalhar em rede. Esses desdobramos são uma tentativa, ainda que inicial, de descentralizar as narrativas e fazer com que corpos e vozes contra-hegemônicos se capilarizem dentro do circuito.
REFLETE: Que reflexões você gostaria de gerar através do seu projeto e do que ele oferece aos leitores?
CAROL INCERTI: O que mais aprendo com a Banca Carrocinha é que, felizmente, as reflexões e os questionamentos são incessantes. Com certeza, foram as perguntas — e não a busca imediata de uma resposta — que fizeram o projeto se desenvolver tanto nesse pouco mais de um ano de vida. Seja através dos espaços de debate ou das narrativas que abrigamos em nossas prateleiras, espero que a Banca Carrocinha ofereça reflexões pertinentes para nossos leitores, amigos e parceiros. Reflexões que nos tirem do lugar de onde começamos. (Ah, e por mais clichê que isso possa parecer, cabe repetir: nada se faz sozinha e/ou da noite para o dia, risos.)
REFLETE: Pra fechar e fazer a roda girar, queria que me indicasse 3 projetos tocados por mulheres ou 3 mulheres que você admira.
CAROL INCERTI: Bom, vou aproveitar para indicar mulheres e projetos que admiro dentro do circuito independente :) Bel Baron , que, além de outras funções, toca a editora independente e plataforma @palavrasapata, dedicada a textos de autoras lésbicas. Eduarda Nieto, designer super talentosa que criou a Sola Type, uma fonte inteiramente baseada na sola de sapatos para celebrar a comunidade lésbica. E o Selo Aliás , um selo independente baseado em Fortaleza que só publica mulheres e é tocado por mulheres.
Vale dizer que, nessa quarentena, eles se disponibilizaram a conversar e orientar remotamente projetos de autopublicação.
“Acreditamos que por mais difícil que seja esse momento, é possível atravessá-lo unindo forças. A publicação é o que move nossas rodinhas e já começamos a sentir o impacto dessa pandemia no circuito independente. Acreditamos profundamente que ajudar novos publicadores com seus projetos autorais é um pequeno passo para garantir fôlego a um movimento tão importante, mas também tão vulnerável, que é o da publicação independente.
Queremos promover encontros virtuais, com cada entusiasta, buscando unir nossas experiências para materializar na medida do possível esses projetos.”
Quem tiver interesse, pode enviar um e-mail para bancacarrocinha@gmail.com contando mais sobre a sua ideia.