Capacitrans RJ: capacitando o universo trans para o empreendedorismo
Andréa Brazil é idealizadora e Coordenadora Geral do Capacitrans RJ e Presidenta da Astra Rio (Associação de Travestis e Pessoas Transexuais do RJ). Empreendedora, oferece capacitações através de formações em diversas áreas, além de manter o projeto Transfiguração, de vestes litúrgicas, apadrinhado pelo Padre Luiz Coelho.
O REFLETE conversou com ela sobre seus projetos e o cenário trans atual (existe mais empatia?) e o bate-papo você confere abaixo.
REFLETE: Me conta mais sobre você e o Capacitrans RJ: como o projeto foi idealizado, quando surgiu e como ele atua?
ANDRÉA BRAZIL: O Capacitrans RJ surgiu de minha própria realidade de exclusões e discriminações em ambientes de trabalhos formais. Precisei aprender a empreender para sofrer menos com os “nãos” que enfrentamos ou para não depender única e exclusivamente das ruas e prostituição.
Montei meu 1º Salão no ano 2000 e busquei preparar pessoas LGBTIQA+ pra trabalhar comigo, ensinando. Sou cabeleireira, maquiadora, fiz produção de moda, entre outras inúmeras profissões e qualificações em cursos de Empreendedorismo.
Mantive o sonho de mudar vidas iguais a minha e, em 2018, venci meu 1º edital pelo Itaú e Mais Diversidade. Em seguida, conquistei o apoio da Paróquia Anglicana São Lucas/Padre Luiz Coelho e vencemos o 2º edital em Atlanta e, por último, em 2019, vencemos Fundo Elas e Instituto C&A, chegando a 3ª rodada do Projeto. Geralmente mantemos aulas de Moda, Imagem (Cabelo e Maquiagem), Empreendedorismo e Negócios, com turmas separadas de 10 a 20 alunes, e vamos conquistando apoios para parcerias e contratações, quando possível, para alunes que se destacam.
Já Funcionamos em minha Casa (Zona Oeste) no espaço Grupo Pela Vidda (Centro RJ) e pausamos agora, recentemente, as aulas no Espaço CEDIM (Conselho Estadual de Direitos da Mulher Camerino 51 Centro RJ), por causa da pandemia, mas as mesmas são mantidas por WhatsApp, dentro do possível. Já formamos em torno de 30 alunes.
REFLETE: Li no site que, em 2019, foram mais de 50 pessoas trans impactadas diretamente, 3 mulheres trans contratadas pela Unilever, parceira oficial, 10 empregades por outras empresas e 30 formandes. Como acontece a relação com as empresas?
ANDRÉA BRAZIL: A Unilever tem uma trans na equipe, que me procurou e levou a questão à Diretoria da Unilever Brasil. Tivemos algumas reuniões e conseguimos 3 vagas, inicialmente. Hoje chegamos a 8 ou 10, mesmo em meio à pandemia, pois há vagas em supermercados. Sebrae, L’Oreal, Troca, Grow todas essas vieram a mim através de visibilidade e TransParência (honestidade) do projeto.
REFLETE: Vi no insta a ação que estão realizando com a Casa Nem. Me fala como ela tem funcionado nessa quarentena?
ANDRÉA BRAZIL: Sempre tive amizade com Indianare, da Casa Nem, foi ela quem me resgatou de volta pro ativismo, depois de algumas decepções e invisibilizações. Tentamos levar aulas juntas pra Casa Nem, mas precisamos pausar, pois tiveram algumas situações de mudança de endereço. Comecei a caminhar com o CapacitransRJ, através das conquistas dos editais.
E, hoje, diante da pandemia, criamos um projeto conjunto de produção de máscaras, entre Casa Nem (com equipe de moradoras), Capacitrans RJ (com alunas com talento e máquinas de costura em suas casas) e Empório Almir França (com sua equipe em seu atelier), mantendo distanciamento social. Produzimos com ajuda de recursos cooptados por Indianare e ela destina às doações para quem está em vulnerabilidade e corre riscos ou realiza vendas sociais (sem interesse em lucro). Estamos, em cada projeto, arrecadando cestas para nosses crias e alunes e, assim, tentando cuidar e preservar vidas LGBTIQA+. As máscaras fazem parte dessa proteção.
REFLETE: Vi no site que você realizou a marca que você criou, a Transfiguração. Me conta mais sobre ela?
ANDRÉA BRAZIL: Os primeiros doadores práticos da ideia do Capacitrans RJ foram os paroquianos da São Lucas em Copacabana, por intermédio do Padre Luiz Coelho, que me conheceu na apresentação da peça de Renata Carvalho, onde ela Interpreta Jesus Trans. Ficamos amigos, ele passou a me acompanhar nas redes e arrecadou doações, como cadeiras para aulas, quadro, além de ajuda financeira inicial, entre outras coisas. Com tempo e conquistando o 1º edital do Itaú Mais Diversidade, vendo nossa Responsabilidade e compromisso, nos ajudou em outro edital em Atlanta, pois ele sempre enxergou que as pessoas trans sempre foram as mais excluídas e marginalizadas em todos os aspectos (eles também cuidam de crianças e orfanatos). Não satisfeito e focando nas nossas costuras e aulas de Moda, pensamos na criação de vestes litúrgicas feitas por alunes do Capacitrans e, assim, criamos a grife Transfiguração, enviando até para outros países peças, aos pouquinhos. Ele assim se tornou nosso padrinho oficial, sempre nas bancas de formaturas (FormaTrans). Só pausamos as produções, atualmente, devido à pandemia do COVID 19. Mas, continuaremos.
REFLETE: Também li que você é Presidenta da Astra Rio. Como funciona a associação e como é para você assumir essa liderança? Quais são os desafios e quais são as vitórias?
ANDRÉA BRAZIL: Já fui diretora, na presidência formalizada, anteriormente, por Marjorie Macchi. Após seu falecimento, eu era a única diretora viva. Convocamos assembléia e eleição, constituímos nova diretoria, mas as formalizações ficaram paradas na Defensoria Pública até os dias de hoje, mesmo porque passei a compor o Fórum TT RJ (que agrega todas as Lideranças Trans do estado do RJ).
Mas, conquistamos conjuntamente alguns mínimos direitos sociais, como retificação de documentos. Lutamos ainda pela empregabilidade, até absurdos como direito a uso de banheiros públicos sem constrangimentos. Ainda há muito que se conquistar, pois continuamos liderando o ranking das mortes e extermínios sociais, agravado quando somos profissionais do sexo, das ruas, pretas, fora dos padrões corporais e de “belezas”, enfim… Ainda temos muita invisibilização dos homens trans e por aí vai.
REFLETE: Nosso país é o país que mais mata trans no mundo.Como liderança trans, como você enxerga, hoje, em 2020, o cenário trans? Existe mais empatia?
ANDRÉA BRAZIL: Basta ver comentários nas redes sociais pra ver que, mesmo com participações em TV (novelas, filmes, séries etc), ainda estamos muito longe do mínimo de nossos ideais de respeito, dignidade e cidadania. Não, não melhorou a empatia. Continuamos sendo aberrações por parte de maioria.
REFLETE: Ainda há muita confusão e desconhecimento sobre o universo trans e todo o glossário de gêneros. O quanto você sente que essa falta de conhecimento é responsável pelo preconceito? E como você vê, a curto/médio prazo, que isso possa ser revertido? Onde todes podem ajudar?
ANDRÉA BRAZIL: Cabe a cada um/uma de nós divulgar, publicizar e expor a existência de pessoas trans e explicar as diversidades. Existimos e resistimos. Somos humanes, com direitos e deveres como quaisquer cidadãos. Pagamos impostos, votamos, movemos a economia desse país. Por que sermos excluídes? Por que sermos marginalizades?
REFLETE: A expectativa de vida trans no Brasil é de 35 anos. Muito pela violência e exclusão do mercado de trabalho. Como ativista e empreendedora, qual hoje é sua principal luta, seu foco, para a mudança dessa realidade tão cruel?
ANDRÉA BRAZIL: O Capacitrans pega o foco do empreendedorismo, da auto sustentabilidade, através de seus “outros sonhos”. Sair da questão da miséria já promove redução de danos, de exposições nas ruas por única via. Trabalhamos o “SIM, NÓS PODEMOS”. Nas aulas, falamos de Direitos e Cidadania e deveres como cidadãos. Temos isso como uma tábua de possível salvação. TransEmpreendedorismo, sim, pra mover a economia e mostrar que podemos nos contratar, nos unir, criar redes de auto sustentabilidade e não dependermos do CIS-tema que insiste em nos excluir e nos matar.
REFLETE: Pra fechar, sempre peço que entrevistades citem outras 3 pessoas ou movimentos que sejam inspiradores. Quem te inspira hoje e por quê?
ANDRÉA BRAZIL, CAPACITRANS RJ: Indianare Siqueira (Casa Nem e Transrevolução), pois sempre emprega que o protagonismo do movimento trans deve ser compartilhado, não de uma única liderança. Cuida de pessoas de rua, usa do direito de ocupações de espaços abandonados para cuidar dessas pessoas, além de ser uma combatente da exploração secual por cafetinagens e, por isso, também trabalho o empreendedorismo, para fugirem disso.
Dra. Maria Eduarda Aguiar, advogada trans e Presidenta do Grupo Pela Vidda RJ), que sempre mostrou zelo e cuidados com todes LGBTIQA+ e é parceira e apoiadora do Capacitrans. Não há uma demanda que precisemos dela — jurídicas, assistências sociais e o que mais podem nos ajudar — que não se disponha a atender.
Bruna Benevides (GDN Niteróí), Sargenta, Diretora da nossa parceira Nacional (ANTRA), sempre estimulando o Capacitrans RJ, combativa também às questões de explorações sexuais de cafetinagens em Niterói e, nacionalmente, com a ANTRA.
Jaqueline Gomes de Jesus, Professora Universitária, negra, TransAtivista, TransFeminista e grande aliada na formação do Capacitrans RJ, mobilizadora e admirável companheira de luta. Me traz a referência do Povo Preto LGBTIQA+ e me ensina muito sempre.
REFLETE: Uma dúvida: como funcionam as parcerias com profissionais e empresas?
ANDRÉA BRAZIL: Teremos ações após o fim dessa pandemia e parceria renovada com Itaú ( espero, já confirmaram). Aí, teremos novas modalidades de qualificações e busca de oportunidades junto às empresas parceiras — são elas que me contactam quando tem oportunidades a ofertar.
Para sugerir parcerias e saber mais sobre o projeto, seguem os contatos do Capacitrans RJ:
WhatsApp: 21 967697747
Redes Sociais: Instagram e Facebook
www.capacitransrj.com.br