Um dia a gente olha no espelho e percebe que ele sempre esteve com a gente, durante todos os minutos da toda a nossa existência terrena — quiçá, extraterrestre, quântica. Só ele cura e é ele quem manda. O tratamos, na maioria das vezes, como inadequado: ou rápido ou devagar demais. Ele mora misturado nas fotos, é travesseiro, chá, areia, insônia. Deposita linhas no rosto, traça novos caminhos no corpo.
Certa vez um fiz um vídeo chamado: “e o que é envelhecer bem”? Deletei, porque não gosto muito da ideia de me ver — e saber que os outros estão me vendo — no Stories falando (“coisa de velho”, você pode dizer). Mas, minha questão é: quando dizemos que fulana envelheceu bem, nunca falamos da pessoa que mantém ereta sua convicção e com ela estende a coluna, por agora saber seu passo. Ou do sorriso que ganha largura conforme a vergonha perde espaço. Do olhar calmo para os apaixonados ansiosos quando se tem inúmeras histórias de amor — e desamor — que trouxeram a calma nos cílios e o ancorar suave no cais. Ou das amigas que ainda saem para beber no meio da semana e rir, no bar onde se conheceram.
Sempre fui uma pessoa aflita em ver o tempo parar. E para mim alguém de mais idade era um espelho do tempo congelado. Muito porque os mais velhos — digo pessoas com 3 décadas pra cima a mais que eu — com quem convivi repetiam comportamentos que acho o fim: a comparação eterna com antes (sendo o pretérito melhor), a falta de curiosidade com o hoje, o preconceito com a mudança. Em tempos de novos (des) governos e debates à flor da pele, percebo que essa característica mora em muitos, independente da idade. E comecei a olhar e admirar a sabedoria de quem já trilhou caminhos onde nunca pisei. Com calma. Afeto. Mais paciência. E sem me culpar por não ter tido esse olhar antes (sim, ele veio tardiamente, quando eu nem tinha mais minhas avós vivas).
Nesse caminho, encontrei a força da conexão com a ancestralidade e entendi que todas e todos que me trouxeram aqui merecem ser reverenciados. Eles já tiveram minha idade. Já foram crianças. Já amaram, se decepcionaram, trabalharam, dançaram, escreveram. Alguns morreram antes dos 20, 30, 40. Outros, viveram mais de 100 anos. Juntos são composição que corre no meu sangue, construíram casas, histórias, famílias. E por quê a gente não lembra, no dia a dia, da beleza que é ser esse somatório de histórias e encontros, por décadas? E por quê esse medo de envelhecer é tão ligado à vaidade? E se a gente conseguisse, desde já, ser mais gentil com a gente? Saber que o tempo passa faz parte. Se a gente souber passar por ele, feliz, melhor.
OBS: Um livro sobre as anciãs: A Ciranda das Mulheres Sábias, da Clarissa Pinkola Estés. Pra ler e depois dançar com suas gerações.