Feminicídio

REFLETE
5 min readMar 19, 2021

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Como combater os crimes de ódio contra as mulheres

Feminicídio é o termo usado para o homicídio de mulheres, cuja motivação do assassino é o ódio pela mulher. E de onde vem essa raiva?

“A morte de mulheres pela condição de serem mulheres é fruto de uma tradição que as enxerga como propriedade dos maridos e constrói como ideal de feminino a imagem da mulher do lar, dos filhos e obediente — um padrão reproduzido, para além dos núcleos familiares, na rua, na escola, no trabalho e no governo. Apesar dos grandes avanços da luta feminista, quem se opõe a esse modelo torna-se, na prática, alvo de repulsa, violência e até morte. Afinal, ainda outro dia, o assassinato de mulheres provocado pelos companheiros era autorizado pela legítima defesa da honra ou pela passionalidade dos fatos, ou seja, a culpa da morte era da mulher assassinada e a sentença tinha o aval do Estado” — diz o relatório “A dor e a luta: números do feminicídio”, coordenado por Silvia Ramos. *

O tema envolve várias camadas, é complexo, mas merece ser debatido com toda a dimensão que exige. Precisamos falar sobre como a sociedade vê e trata a mulher e sobre sua vulnerabilidade diante disso. Não são poucos os casos relacionados ao assunto e, na pandemia, com o aumento do convívio entre casais, o cenário só piorou.

No primeiro semestre de 2019, foram registrados 636 feminicídios. No primeiro semestre de 2020, quando o país já vivia a pandemia, foram registrados 648. Somente entre março e abril de 2020, se somadas as ocorrências em doze estados do país, em relação a igual período de 2019, o crescimento foi de 22,2%, segundo o documento Violência Doméstica durante a Pandemia de Covid-19, do FBSP. Em números absolutos, houve um salto de 117 para 143 feminicídios.

Vale dizer que a subnotificação também é parte disso: segundo O relatório A Dor e a Luta: Números do Feminicídio, produzido a partir do acompanhamento de casos na Bahia, no Ceará, em Pernambuco, no Rio de Janeiro e em São Paulo, em três dos cinco estados, os dados compilados eram maiores do que os oficiais. (fonte: Revista Piauí).

Eu sei. Dá medo, revolta e perplexidade. Toda vez que leio uma notícia de feminício, transfeminicídio e lesbocídio a sensação que dá é que vivemos ainda na idade média e que temos ainda que buscar nosso lugar, depois de tantos anos. E o que mais podemos fazer para dar fim a isso?

Queria muito ter as respostas. Mas, vejo alguns caminhos, a começar por saber nossos direitos:

Violências na esfera doméstica tornaram-se objeto de política governamental com a sanção da Lei 11.340, a Lei Maria da Penha, de 2006. Ela tipificou o crime de violência doméstica e familiar, estabelecendo que essa violência pode ser física, psicológica, sexual, patrimonial e moral e independe de sua orientação sexual. Consiste no principal instrumento legal para coibição e enfrentamento da violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher e determina a atuação de uma rede de proteção e atendimento para as mulheres.

Em março de 2015, passou a vigorar a Lei 13.104, mais conhecida como a Lei do Feminicídio. A lei qualifica os homicídios, determinando que são feminicídios os assassinatos de mulheres pela condição de serem mulheres. São casos de mortes que envolvem violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima. (“A dor e a luta: números do feminicídio”, coordenado por Silvia Ramos.)*

Vale lembrar que quem mais sofre com o feminicídio são as mulheres negras e pobres:

“Quando eu tenho casos de feminicídios no Tribunal do Júri, eu tenho, em regra, vítimas do mesmo perfil”, relata o defensor público que assiste Wagner, Denis Sampaio. “Os casos de feminicídios com que nos deparamos no dia a dia envolvem principalmente casais pobres, da periferia, negros. A mulher, a vítima, quase sempre negra, pobre, da favela. Acaba sendo a regra nos nossos processos de feminicídios. Essas pessoas, sabemos muito bem, entram apenas nas estatísticas. O feminicídio se torna mais eloquente na nossa sociedade quando a vítima não faz parte dessa classe, não é uma mulher pobre, não é a vítima típica”, afirma. À vítima típica do feminicídio, resta o aniquilamento.”, diz ele para matéria da Revista Piauí.

Para que a luz seja jogada sobre o assunto, a imprensa também tem um papel relevante, já que o assunto raramente tem destaque na mídia. Parar de usar termos que romantizam o caso é o primeiro passo, seguido por saber como abordar e cobrir o assunto. A Universa, do Uol, preparou um manual focado nisso. Aqui o link. O Think Olga também criou um manual, dentro da série Minimanual do Jornalismo Humanizado (aliás, vale baixar todos), com exemplos práticos para jornalistas e veículos de comunicação que não desejam colaborar com a cultura de violência contra a mulher vigente na sociedade.

Quanto às empresas, são inúmeras ações, a começar por tornar o ambiente corporativo igualitário e deixar clara a intolerância em relação a discriminações. Depois disso, da porta pra fora, realizando campanhas, parcerias, patrocínios que envolvam a conscientização.

Como pessoa física, vale levantar o tema com amigos e parentes, sobretudo com homens. Vou dar um exemplo pessoal: quando falei em uma roda de amigos que eu atravessava a rua, se eu visse uma roda de homens em uma rua vazia, eles se tocaram, pela primeira vez, como nosso puro caminhar pela cidade é motivo de preocupação. É importante também educar crianças para que tratem a todos da mesma maneira e com respeito. Sabendo que todos têm os mesmos direitos, desde cedo, fica muito mais fácil pensar em uma sociedade mais sã. Pense muito também na hora de votar, escolhendo candidatos que abraçam essa pauta — precisamos de políticas públicas nesse combate.

E, se você souber de algum caso, busque orientação pelo 180. Se for um caso emergencial, 190. Também existem apps de coletivos que auxiliam nesses casos, como o Mete a Colher, As Penhas e o Lu, que funciona dentro do app do Magalu.

Para além disso tudo, sempre, sempre, sempre escute. Observe. E informe-se sobre a violência contra as mulheres. Uma pessoa com argumentos é capaz de mudar o entorno mais do que pode imaginar.

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