Um longseller que nos lembra do arquétipo selvagem feminino
Escrito pela cantadora* e psicanalista junguiana Clarissa Pinkola Estés, Mulheres que correm com os lobos — Mitos e Histórias do Arquétipo da Mulher Selvagem, foi lançado em 1989 e já vendeu mais de 2 milhões de cópias. Passadas 3 décadas, ele ainda é assunto. Desde 2018, a obra voltou a aparecer com força. Por aqui, ganhou nova edição, com capa dura, da editora Rocco. Virou tema de podcasts e está presente em clubes e grupos de leituras (como o Our Shared Shelf, fundado pela atriz Emma Watson). Em 2020, ficou por mais de 145 semanas na lista de mais vendidos do The New York Times e, no Brasil, meses na lista do mais vendidos na categoria de não-ficção da lista da revista Veja, além de ter sido o segundo mais vendido na Amazon.
Considerado um longseller (termo em inglês para os livros que seguem um sucesso anos depois de lançados) e publicado em 42 idiomas, ele nos faz refletir — em 520 páginas para serem lidas sem pressa — , sobre o que é a mulher selvagem, nos fazendo questionar, antes de tudo, o que significa esse arquétipo e como se dá essa manifestação (bem contrária ao que uma sociedade patriarcal descreveria).
Uma vez entendendo que se reconhecer como selvagem significa estar ciente do próprio instinto, intuição e indomabilidade, você entra em mais camadas trazidas por Clarissa, a partir de mitos e lendas ancestrais, de diferentes culturas.
Estão ali as histórias do Barba Azul. Da Baba Yaga. Do Patinho Feio. Na sequência delas, a autora analisa, em muitas páginas, as ligações psíquicas entre o que é narrado e que as mulheres enfrentam em suas vidas, toda vez que lhe querem tirar a alma selvagem: sentimento de não pertencimento, confusão, inferioridade, sufocamento, repressão da sexualidade, falta de confiança em si mesma, descuido com o corpo e alma, o alimentar de ilusões.
Alguns artigos associam o fato do livro ter voltado a ser tão procurado ao crescimento do interesse por feminismo e pelo Sagrado Feminino. O REFLETE acredita nessas ligações, mas também no ciclo da vida que nos leva a mergulhar, de tempos em tempos, em temáticas que são tão atemporais quanto a própria humanidade. Está nesse ciclo a necessidade urgente de resgatarmos valores femininos (lembrando que isso se aplica a qualquer um, independente de sexualidade) para a construção de uma sociedade mais ancorada no sentir, no cuidado, na sabedoria dos que vieram antes, nos ritmos e conexões com a natureza.
SOBRE CLARISSA
Nascida e criada em uma pequena vila no estado de Indiana, Clarissa é filha de Cepción Ixtiz e Emilio Maria Reyés, de ascendência mexicana e nativa americana, que foram trabalhadores braçais. Em casa aprendeu a falar espanhol, mas, aos 4 anos, foi adotada por um casal de imigrantes húngaros, também muito pobres e analfabetos. Convivendo com imigrantes desde tenra infância, ela teve acesso a muitas histórias, lendas e mitos de outros povos, contatos e recontados por parentes e pelos pais adotivos.
Formada em psicologia e psicoterapia, em 1981, é Doutora em psicologia étnico-clínica, com foco na história indígena e de padrões psicológicos e sociais de grupos e culturas tribais. É também especializada em recuperação pós-traumática e psicoanalista com prática clínica.
Como especialista em eventos traumáticos e recuperação pós-trauma, atendeu pacientes veteranos da Primeira e Segunda Guerras mundiais, além de ex-combatentes da Guerra do Vietnã com perdas de membros ou cadeirantes. Ajudou também as famílias de pacientes e pessoas com transtorno de estresse pós-traumático. Ensinou escrita criativas em várias prisões dos Estados Unidos.
Atuou em locais de desastres naturais, onde desenvolveu um protocolo de recuperação pós-trauma para os sobreviventes do terremoto na Armênia. Tal protocolo foi traduzido para diversos idiomas e vem sendo usado em locais de desastre para ajudar os sobreviventes na recuperação e em como orientar os resgatistas. Também trabalhou na comunidade após o Massacre de Columbine entre os anos de 1993 e 2003. Trabalha ainda com os atendentes do sistema de atendimento 911 nos Estados Unidos e ainda atende famílias de sobreviventes de desastres e massacres.
Clarissa começou a ganhar fama quando começou a trabalhar na rádio, em 1989, falando de Jung, em Denver. Isso levou a um contrato com uma gravadora para lançar fitas cassete com suas observações e orientações, que, em alguns meses, viraram campeãs de vendas no país. Somente depois disso, as editoras prestaram atenção em seus escritos: ela demorou cerca de 20 anos para encontrar uma editora que topasse publicar seu primeiro livro, Mulheres que Correm com os Lobos, o que só aconteceu em 1992, por iniciativa de uma modesta casa editorial. Todas as tentativas anteriores encontravam a mesma porta fechada: “Esse livro não tem apelo comercial”.
*Cantadora é como é chamada uma guardiã das velhas histórias na tradição latina.